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    Pelé e a maior vaia da vida de Zico

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    Assim falou Agrippino Grieco, poeta do Méier: “Persisto em andar pelas ruas do Rio. A rua é a melhor das bibliotecas.”

    Pude comprovar a Lei de Agrippino outro dia, quando flanávamos pela rua Dona Zulmira, a caminho do Maracanã. Era noite de semifinal da Copa do Brasil, mas a alma e o coração estavam leves. O Flamengo fizera o dever de casa no Morumbi. Talvez por isso, pegamos um caminho mais longo até o estádio. Ao passarmos por uma esquina, o Tiba (ou foi o Furi?) achou o nome elegante e propôs uma parada rápida. Estávamos no mundo mágico do Bar do Bigode.

    O Bar do Bigode parecia um daqueles pés-sujos que vira-latas sarnentos e pedintes embriagados evitam passar na porta, para não ficarem mal falados. Mas qual nada. Logo fomos acolhidos com festa por um velho freguês, chamado Miguel Ângelo, que queria falar do Flamengo.

    – Sabe qual foi a minha maior emoção como rubro-negro? Hein? O dia em que eu vaiei o Zico. Eu não. O Maracanã inteiro!

    Ainda não sabíamos, mas ali, de papo com o Furi (ou era o Tiba?) estava um tremendo historiador das coisas flamengas. Somente horas depois iríamos descobrir que se tratava de um respeitado desenhista, velho colaborador de “O Pasquim”, que ganhou seu nome de guerra do amigo Carlos Heitor Cony, e virou Michelangelo. Naquele instante não queríamos saber nada disso, e perguntamos:

    – Zico? Vaiado? Conta essa direito. Desce mais uma, Bigode!

    Michelangelo então narrou os fatos. Em 6 de abril de 1979, o fanático torcedor estava entre os quase 140 mil presentes na partida beneficente em que Zico e Pelé tabelaram, ambos com o Manto Sagrado do Flamengo.

    O desenrolar do amistoso é universalmente conhecido. Após (mais) uma enchente que castigou Minas Gerais, o Maracanã receberia Flamengo, Atlético-MG, o presidente da República, deus e o mundo para levantar uma renda recorde e reverter a bolada para as vítimas. Pelé, aposentado do Cosmos havia dois anos, vestiria a 10 de Zico e tabelaria com o Galinho, com a 9. Quando estava 1 a 0 para o Atlético, Luizinho fez pênalti em Tita.

    pele e zico
    Pelé e Zico

    O que pouca gente sabe, no entanto, é o valor daquela penalidade. Se marcasse, Zico empataria com Dida como o maior goleador da história do Flamengo, com 263 gols. O que o Rei branco fez? Chamou o Rei negro e implorou que Pelé cobrasse, e fizesse seu primeiro e único gol com a camisa do Flamengo.

    Pelé negou categoricamente, devolveu a pelota e saiu da grande área. O Maracanã, ao ver o Rei errado se preparando para a cobrança, reagiu. E ouviu-se não uma vaia, mas a mãe de todas as vaias – estrepitosa, abafada, medonha. A primeira e única vaia que a torcida flamenga dirigiria ao seu ídolo Zico.

    Tiba, Furi e eu ouvíamos deliciados. Não a vaia, mas a história do Michelangelo – sobre uma vaia que eu nunca lera nem ouvira falar. Mas que a biblioteca das ruas agora nos trazia em detalhes vivíssimos.

    Após Zico marcar e ganhar um abraço de Pelé, o jogo seguiu. No intervalo, Pelé deu lugar ao centroavante Luisinho Lemos. Zico ainda deixaria mais dois naquela noite e quebraria o recorde de seu ídolo Dida. Lemos e Cláudio Adão fechariam o placar.

    Mas você pensa que Michelangelo terminou a história assim?

    – No segundo tempo, claro que aplaudimos o Zico em dobro, para fazer as pazes. Curioso é que nunca encontrei o Zico na vida. Mas um dia, eu estava pelo “Pasquim” na boate Calígula, na eleição da Garota de Ipanema 1987, quando fui ver quem tinha sentado ao meu lado no júri. Era ele! O Pelé. Depois do susto, ficamos conversando um tempão. Até que comentei sobre a vaia e questionei por que ele não tinha cobrado o bendito pênalti. Ele riu e se justificou.

    Pelé disse então a Michelangelo:

    – Com aquele Maracanã lotado… Ali eu não podia tirar a autoridade do Zico. Entende?

    Viva o Rei do Futebol. E viva o Bar do Bigode.

    Assista os melhores momentos dessa partida histórica

    Pelé e Zico

    Escrito por: Marcelo Dunlop

    Deixe seu comentário! E leia também: Flamengo no NBB


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    1 COMENTÁRIO

    1. Isso foi um gesto majestoso de que realmente foi sempre considerado como REI do FUTEBOL. Jamais tentar passar por cima de ninguém do universo futebolista. Um ESTADISTA se mede pelas suas atitudes, como esta de PELÉ em não querer cobrar o PÊNALTI no Estádio do MARACANÃ, onde ele considerava a Casa do ZICO. E falou para que – ZICO, o cobrasse. O que fez com maestria e converteu o Pênalti. É assim que medimos os grandes Homens. Pronto, falei. EDILSON SOBRAL DE MORAIS – ADVOGADO – OAB-PB 8475.

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