Avô do diretor robocopiano José Padilha, o presidente flamengo José Bastos Padilha tinha um sonho, quando assumiu a Gávea no período de 1933 a 1937.
Durante a construção do primeiro estádio próprio do Flamengo, o sonhador Padilha mandou que preparassem alicerces em torno de toda a construção, para que ali no futuro se erguessem “as maiores arquibancadas do mundo”. Jogador no período e depois treinador, Flavio Costa testemunhou o estádio sendo levantado. Até os anos 1990, quando faleceu, ele ainda apontava para o chão em volta do estádio da Gávea e garantia:
– Aqui tem sapatas para erguer um outro Maracanã!
O que deu errado, então?
É uma questão que está sempre na boca do povo, ainda mais se o colossal Maracanã entra em obra$ e o rubro-negro precisa mandar seus jogos nas Ilhas, Engenhos de Dentro e Voltas Redondas da vida.
A saga dos gramados rubro-negros começa em 1912. Após discordâncias entre cartolas e jogadores, o escrete campeão do Rio de Janeiro decide abandonar o Fluminense, deixa as Laranjeiras e passa a vestir rubro-negro. O primeiro local de treinos dos craques flamengos foi na Glória, num campo aberto na rua do Russel – o nome vem do célebre engenheiro João Frederico Russel, filho de ingleses.
De 1915 a 1932, o Flamengo aluga da poderosa família Guinle o estádio da Rua Paysandu, um gramado cercado por arquibancadas de madeira com capacidade para 15 mil apreciadores do “foot-ball”, de chapéus e gravatas. O campo chegou a receber um jogo da seleção brasileira, em 1917, um amistoso contra o Barracas da Argentina.
Mas o Flamengo tinha planos mais ambiciosos. O publicitário José Bastos Padilha assumiu a presidência nos anos 1930 com o sonho de um estádio amplo, no embalo do progresso preconizado pela Era Vargas – Getúlio ganharia honrarias e um título do clube, por sinal.
No dia 14 de novembro de 1931, o Flamengo ganhou da prefeitura o terreno da Lagoa, onde construiria seu primeiro estádio, com cercas de madeira. A área era imensa mas inóspita. A lagoa era bem maior, o terreno do atual Jóquei Clube era pantanoso e o Leblon parecia um areal, onde o jovem Noel Rosa vinha namorar suas prendas.
No fim de 1933, o Flamengo deu o pontapé na construção do Estádio José Bastos Padilha, planejado para modestos 6 mil espectadores. A meta era futuramente fechar a arquibancada ao redor do campo, numa capacidade para mais de 20 mil torcedores.
A inauguração foi no dia 4 de setembro de 1938. Para carimbar a festa, o Flamengo, adivinhe, perdeu para o Vasco por 2 x 0. Mas o time da estreia era um escrete e tanto: Walter, Marin, os irmãos Domingos e Médio da Guia, Fausto “Maravilha Negra”, Sá, Natal e Valido; Leônidas da Silva, Waldemar de Brito e o artilheiro Jarbas.
Nesses tempos, a imprensa não dava crédito para a nova sede do Flamengo. O estádio era tão no meio do nada que radialistas e escribas de 1938 o chamavam de “O Estádio dos Ventos Uivantes”.
E o Maracanã virou a casa do Flamengo
“O primeiro presidente a se empolgar com a Gávea havia sido Faustino Monteiro Esposel”, lembra o historiador e escritor Mauricio Neves de Jesus, um dos maiores biógrafos do Flamengo ao lado de Edilberto Coutinho, Mario Filho e Ruy Castro. “Antes do estádio, o Esposel já falava que aquele terreno distante era perfeito porque lá seria a ‘Cidade Flamengo’, que levaria o desenvolvimento para aquele fim de mundo. Isso caiu no esquecimento com o surgimento do Maracanã, mas o Gilberto Cardoso, depois do bicampeonato de 1954, retomou o assunto.”
Para Mauricio, a simbiose entre o Maraca e a Magnética nos anos 1950 foi um dos fatores a adiar o estádio próprio:
“Com a morte de Gilberto Cardoso, o tema estádio passou a ser tratado como apenas um ponto do crescimento patrimonial, até ficar em segundo plano”, remonta o historiador. “Com a crise financeira e administrativa depois de 1965, a briga era para pagar as contas básicas, e nem isso o clube conseguia. Isso só muda com a Frente Ampla do Flamengo (FAF), mas a turma de Walter Clark e Marcio Braga considerava o Maracanã a casa do Flamengo. E convenhamos, na euforia 1978-1983, ninguém pensava em nada a não ser nos títulos. Nem dirigentes nem a torcida do Flamengo.”
A resposta, portanto, é esta: a ideia de construir um estádio do Clube de Regatas do Flamengo não foi adiante por dois motivos distintos: nos bons momentos, o Maracanã parecia a casa ideal; nos maus momentos, só se pensava em remediar e pagar contas.
Mauricio recorda outra curiosidade sobre a união entre Flamengo e Maracanã:
“Após o Maracanazo em 1950, a imprensa debateu a sério a utilidade do Maracanã por dias a fio. O que fazer com aquele Gigante de Concreto sem um campeonato mundial? Logo a torcida do Flamengo deu a resposta, ao tomar o estádio no amistoso com o Bangu uma semana depois, esgotando ingressos, pulando catracas e o escambau. Ficou então claro que o Maracanã precisava do Flamengo, e o Flamengo precisava do Maracanã.”
A pergunta agora é outra, portanto: será que um ainda precisa do outro?
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