Das coisas que sempre me fascinaram no futebol, as tradições de um clube estão
entre as primeiras. É como se cada clube, ganhando ou perdendo títulos, obedecesse a uma espécie de algoritmo inicial, reportando suas glórias e tristezas hodiernas a um passado imemorial, antiquíssimo, do qual só o que sobrevive é o seu ethos.
Cada clube nesse mundo – indo desde o Barcelona até o Golfinho FC aqui do Campo do Fazenda – tem uma maneira toda própria de ganhar, de perder, de chorar, de se aprazer. Tamanha variedade poderia, inclusive, dar vasão a uma “ontologia clubística”, em que se procuraria estudar as infinitas naturezas ou almas de cada clube de futebol.
Flamengo não é diferente
Bem, mas vamos direto ao essencial: assim como acontece com cada clube, com o Flamengo não é diferente. Estudando a história do rubro-negro, percebe-se aí a existência de dois tipos de esquadrões: o time “rolo-compressor” e o “São Judas Tadeu, é o ai Jesus“.
Geralmente, quando o clube empilha muitos títulos, quando constrói sua hegemonia durante décadas,o “rolo-compressor” é o que vem à tona, normalmente embalados por alguma músicacomposta por um mulambo trovador do alto das arquibancadas, e que, tão logo começam a serem entoadas por milhões e milhões de mulambos anônimos, vira um símbolo de uma época inteira; São Judas Tadeu, por sua vez, aparece quando o flamengo mais precisa, quando ninguém dá nada por nós, quando o Flamengo enfim precisa provar o seu valor para si mesmo e para os outros, arrancando gols e viradas impossíveis nos últimos minutos, dando um sopro de esperança a zilhões de desvalidos que buscam se encantar novamente.
Mas, à parte todo esse “lirismo reflexivo” em que estou mergulhado, posso provar com fatos tudo que estou falando:
Mil e novecentos e trinta e nove, segunda guerra mundial havia começado, e quem fez uma verdadeira blizkrieg não foi a Alemanha racista de Adolf Hitler, mas sim Leônidas da Silva, Domingos da Guia e Cia. Leônidas, por exemplo, foi o artilheiro daquele Carioca de trinta e nove, inventando o gol de bicicleta, disputando a popularidade com o próprio presidente Getúlio Vargas, ao ponto de fazer com que Jules Rimet saísse lá dos cafundós de Judas para desbravar a praia do pinto só para vê-lo.
Era Zico e Jorge Jesus, um rolo compressor
Assim como em trinta e nove, os Flamengos de Zico e Jorge Jesus são igualmente memoráveis. Tanto é assim que foram times inovadores, que marcaram a história do futebol. Aliás, eis uma outra idiossincrasia flamenga: todo “rolo compressor” rubro-negro que se preze geralmente muda para todo o sempre os paradigmas do futebol de seu tempo.
Aquele esquadrão de Zico, por exemplo, inspirou aquele Barcelona rápido,ágil de Pep Guardiola; já Jorge Jesus, por outro lado, mostrou para todo mundo a importância de um verdadeiro técnico no comando de qualquer time, e, acima de tudo, nos fez amar novamente aquele futebol rápido, goleador, ofensivo que sempre caracterizou o futebol latino-americano.
Tudo o que sabemos é o seguinte: independentemente de qualquer época, ambos abalaram os alicerces futebolísticos. E este é o rolo compressor.
Esquadrão “São Judas Tadeu, é o ai jesus”
Agora iremos falar dos esquadrões “São Judas Tadeu, é o ai jesus“, que são os que eu mais gosto e, arrisco dizer, o que me fez amar o Flamengo. E por que? Por um motivo muito simples: pela dramaticidade das suas vitorias. Eu sempre costumo dizer: -todos os times vencem títulos, mas nenhum deles vence como o Flamengo.
Provando o que estou dizendo, pergunto: quem se lembra de Ronaldo Angelim, em 2009, fazendo aquele gol salvador nos últimos minutos? E Petkovic, que desafiou as leis da física com aquela pintura em cima do coitado do Elton? E o que falar de Rondinelli, cabeceando um escanteio do Zico e arrancando o empate da boca dos vascaínos? Ou de Agustín Valido, que calou São Januário? São inúmeros exemplos. E o que eles têm em comum? Eles proporcionaram ao rubro-negro uma boa dose de tragédia, drama e agonia que faz muito bem ao nosso espírito de Pinheiro Machado apunhalado. Como já dizia o filósofo: – as melhores vitórias são as mais difíceis porque a cerveja pós-jogo desce mais gelada.
Escrito por: Vinicius Motta
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